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HIV: A descoberta.


Há poucos meses descobri algo que me deixou confuso e pensativo... O ursinho Pooh é fêmea !

E em meio a tantas descobertas chocantes que permeavam minha pacata vida, um belo dia, me ligaram do laboratório para refazer um exame de sangue, naquele momento, já desconfiava o que poderia ser. Quem deve, teme !

Eu estava viajando a trabalho, não podia desabar ou demonstrar minha apreensão, voltei para a sala onde havia cerca de 30 colegas de vários lugares do país, todos me encaravam, claro, pois nesta hora você acha que o mundo está lendo na sua testa "AIDÉTICO".

Na verdade, nestas horas você acha tudo, menos o que deveria achar.

E eu pensei assim "Puta que pariu, pra isso se espalhar pela empresa no país todo só é preciso as pessoas desta sala saberem"...

Não sei vocês, mas mesmo sem saber ao certo o que estava acontecendo, eu já pensava nos comentários alheios, no que poderiam dizer sobre mim por aí, e isso é o nosso bom e velho preconceito.

Mas, apesar de meio quieto demais, consegui agir normalmente, segurei meu "tcham" e ficou tudo bem.

No dia seguinte voltei para minha cidade, mas apenas no outro dia fui retirar outra amostra de sangue para fazer o teste novamente.

Voltei pra casa, com a sensação de fracasso, de isolamento e solidão.

O estigma, o preconceito e a falta de informação são as coisas que mais pesam para alguém que se descobre soropositivo para HIV.

A ignorância nem sempre é uma benção, então procurei na internet respostas, conselhos, dicas, palavras que me distraíssem daquele suspense, mas ao invés disso encontrei desespero, sofrimento, angústia, dor.

Me deparei com uma realidade incrivelmente cruel sobre o "Mundo HIV":

-Pessoas que tinham acabado de descobrir que estavam infectadas pelo virus HIV e não conseguiam mais trabalhar e precisavam auxílio doença que nunca saia;

-Os fiéis da igreja cujo seus respectivos pastores os haviam curado com alguma coisa ungida e ordenado que não tomassem mais medicamentos, e na por consequência disso infectaram outras pessoas;

-Outros cuja família os havia expulsado de casa e viviam de favor, doentes e depressivos, na casa de alguém, e em alguns casos se prostituiam para ter dinheiro;

-Os amorosamente rejeitados que diziam ter perdido o sentido da vida e além de não quererem tratar o HIV ainda o proliferavam sem remorço... enfim.

Confesso que fiquei chocado com essa nova realidade, meio cabisbaixo, andei calado por uns dias, e comecei até mesmo a me sentir doente. E isso que eu nem havia recebido o resultado dos exames ainda.

Nessa mesma época entrei de férias, e antes disso tudo acontecer eu já tinha programado algumas viagens, logo, eu tinha duas escolhas:

1-Desistia e ficava em casa, em meu quarto, esperando o resultado e deixando depoimentos alheios amargarem ainda mais a minha situação.

2-Continuaria com meus planos, seguiria normalmente a vida, e passaria 20 dias viajando por lugares incríveis.

A decisão parece fácil... e foi !

Arrumei minhas coisas e vazei... Nossa, como foi bom sair um pouco daquela rotina viciosa e paranóica.

Lá pelo meu oitavo dia de viagem, logo pela manhã, pelo celular ví que o resultado dos meus exames simplesmente não estava mais acessível pelo site do laboratório, pois é... os sinais não estavam favoráveis a mim, mas respirei fundo e segui com meu dia.

Pela tarde recebi uma ligação, fechei os olhos e atendi. Era uma mulher, com voz calma e silícita, me dizendo que o resultado dos meus exames já estava disponível e havia sido encaminhado ao médico que o solicitou. E essa mesma atendente disse "Seu médico tem disponibilidade de atendimento hoje, posso agendar pra você?"

Eu estava deitado em uma rede, na praia, com os pés dentro da água do mar, bebendo cerveja e comendo espetinho de lagostim e disse à mulher do outro lado da linha "Estou de férias, quando voltar encaro a realidade, até lá, ficarei bêbado".

Desliguei o telefone, e disse a mim mesmo "Foda-se! Não vou me abalar, não sou nenhum coitadinho, minha vida continua"...

Abri meus olhos só pra confirmar como tudo à minha volta era lindo e calmo, e fiquei curtindo o sol, o vento e o som do mar, o balanço da rede e a sensação gostosa da agua tocando meus pés.

Fechei meus olhos.

Não sei se o Universo conspira dessa forma tão contrastante, mas esse choque entre Mundo externo perfeito contra Mundo interno abalado me fez reagir.

Não sei se as forças espirituais que regem as leis da vida ficam nos observando enquanto testam nossos limites, mas nesse exato momento, decidi que responderia a tudo isso com elegância, não me deixaria abater, em outras palavras "ficaria no salto e não deixaria azinimiga vencê ".

E foi ali, de olhos fechados e mente aberta, que percebi que a vida é feita de escolhas e que seus caminhos estão decorados de consequências e, apesar de meio perdido, de uma coisa eu já tinha certeza, meus caminhos não seriam esburacados e cheios de lama, esse não seria meu destino.

É dificil resumir tudo que passa em nossa mente em momentos tão "únicos", e com o tempo essas emoções tão fortes e claras somem e nos restam apenas poucas palavras para nos dizer se foi bom ou ruim, e assim, na minha opinião, nascem as lembranças.

Acho que o mais importante de qualquer lembrança desse tipo é identificar o que podemos aprender, contruir ou ensinar. Nada é por acaso, nada é em vão.

No final desse mesmo mês, voltei ao médico, um senhorzinho clínico geral, nem marquei consulta nem nada, entrei na sala dele e disse "O senhor tem um exame meu", ele perguntou meu nome, e me pediu pra sentar.

Eu disse " Deu problema, né?" de um jeito doce como se eu fosse a pessoa mais inocente do mundo, e ele respondeu "Deu, Cê tá com HIV"... Rodeios pra quê, ne?!

Ele completou dizendo que eu deveria procurar um especialista, blá blá blá... e foi isso.

Saí do consultório, sentei no meio fio, já era de noite, e fiquei lá, por uns 20 minutos, olhando pro céu, pensando em como minha vida poderia mudar...

Não fiz escândalo, nem perdi o chão, mas pensava "...E agora? É oficial, o que será de mim?".

Ao longo de uns 10 dias Chorei umas 3 ou 4 vezes, bem pouco, se comparado com os depoimentos que li por aí.

Não chorei de tristeza ou coisas do tipo, mas em momentos pontuais como contar para a minha chefe, minha dentista... as lágrimas simplesmente vieram. Sou de Peixes, tenho o dom de fazer um certo charme e drama.

Hoje devo confessar que fui meio bobinho e ingênuo por, naquele ou em qualquer outro momento, achar que seria meu fim.

Realmente algo morreu em mim, mas não minha vontade de viver, pelo contrário.

Depois desse dia, me sinto menos preguiçoso, é como se eu não tivesse mais aquele medo de falar o que penso, ou fazer o que acho certo por medo de não gostarem.

Realmente aquela vida chegou ao fim, mas uma nova vida estava por vir... E nada de tristeza e sofrimento como diziam os depoimentos que li por aí, ao invés disse, a nova vida estaria cheia de dedicação, disciplina e atenção comigo mesmo.

"Pegue o que você tem e transforme em algo bom."

Sei que na hora do susto não é fácil raciocinar, muito menos agir com equilibrio, mas respire, repense, levante a cabeça e não se deixe destruir por você mesmo, você é o primeiro a ouvir suas próprias palavras, então, melhor que elas sejam boas, produtivas e construtivas, não acha?!

A nossa vida está apenas recomeçando, não somos mais crianças, temos experiência suficiente para, dessa vez, fazermos mais e melhor, por nós e pelos outros.

Inspire-se, seja forte, posso te garantir que esse não será o fim.

Meus Relatos

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